17ª Semana Eixo Identidade autonomia e cultura - Mulheres entre o público e privado

11/09/2020 14:15

Ideais de igualdade e ambivalências normativas na divisão sexual do trabalho

 As últimas décadas têm sido, em Portugal, palco de relevantes mudanças na situação das mulheres, redefinindo equilíbrios e ideais de género na divisão do trabalho. O movimento de modernização da vida privada, bem como a maior inserção das mulheres na vida pública, teve inegável impacto na estrutura de desigualdades que configura as relações sociais de género, primeiramente (re)produzidas na família. Em concordância relativa com um dos pressupostos nucleares do processo de modernização social, que projecta o progressivo abandono dos papéis tradicionais de género, tem-se vindo a constatar, mais no plano dos ideais que das práticas, a adesão a orientações normativas legitimadoras da igualdade de género e da realização individual, transformando as visões mais institucionalistas da família, com sedimento nas desigualdades tradicionais entre homens e mulheres. No entanto, apesar das mudanças no estatuto e papel das mulheres, que advogam uma passagem da ideia de mulher-natureza para a de mulher-indivíduo, as desigualdades de género tendem a permanecer vivas nas sociedades contemporâneas, não constituindo Portugal, como é evidente, uma excepção.

A questão da desigualdade de género tem, aliás, ocupado lugar de destaque na produção sociológica sobre a família, permitindo desmistificar a ideia de papéis sociais derivados de uma natureza biológica específica a favor de uma visão socialmente construída do género enquanto categoria diferenciada do sexo. As formulações deste conceito nos Estados Unidos ou de trajectórias sociais sexuadas em França inserem-se no movimento de análise das desigualdades entre homens e mulheres, observando a família enquanto lugar fundador de tais diferenciações. Esta não é constituída por indivíduos homogéneos, não podendo, assim, ser compreendida fora da sua ancoragem em relações sociais de género, das quais é instância reprodutora. Em Portugal, como comprovam também vários estudos, a realidade «sexuada» (ou gendrificada) da família constitui uma evidência, apesar das paulatinas transformações do «lugar social das mulheres» ao longo das últimas décadas. Malgrado a permanência de desigualdades, a modernização da sociedade portuguesa implicou um grande protagonismo feminino, constatação coincidente com a ideia de que a grande mudança, por detrás de todas as outras, se encontra na transformação profunda do estatuto das mulheres.

É indubitável que a entrada massiva das mulheres em esferas tradicionalmente masculinas (o sistema de ensino, o mercado de trabalho) é uma das linhas mestras dos processos de modernização que atravessam a sociedade portuguesa desde o 25 de Abril, movimento que remonta ainda à década de 60. A guerra colonial, a emigração dos homens, empurraram as mulheres para o trabalho profissional: na agricultura ou nos serviços, que então se encontravam em franca expansão, um número crescente de mulheres começou a substituir os homens que haviam partido entretanto. Contudo, esta progressiva conquista feminina da esfera pública não tem promovido uma contrapartida masculina na vida privada: aqui continuam a ser elas, apesar de algumas mudanças é certo, a ter a primazia.

Mais ainda: a produção social do género não se vislumbra apenas na divisão familiar e social do trabalho, estando simbolicamente entranhada na produção de categorias e de identidades sociais. Como mostra Amâncio, existe uma assimetria dos modelos de masculino e feminino, cujos significados são mais universais no pólo masculino e mais situacionais no pólo feminino. Enquanto o modelo de masculinidade é uma «fotografia» do modelo social de individualidade dominante, a feminilidade tende a ser conotada com o espaço privado da família e com a expressão das emoções. A coincidência entre masculinidade e universalidade explicaria assim a dominância simbólica do masculino. Mas, geralmente, estas representações sociais, reguladoras dos comportamentos, constituem modelos de género estereotípicos, permanecendo, a um nível profundo, sobre as transformações sociais mais visíveis.

Ora, é precisamente das normas que trata este texto, ao investigar o impacto das transformações das últimas décadas sobre os valores que orientam a divisão sexual do trabalho na família. Analisando as normas de divisão do trabalho doméstico e profissional, indicadores que permitem aferir qual a igualdade desejada pelas mulheres, observamos várias formas de diferenciação, decorrentes do próprio carácter polissémico da ideia de igualdade. Se a definirmos como equivalência de papéis, as famílias paritárias serão aquelas em que homem e mulher têm os mesmos encargos e tarefas. Trata-se assim de uma igualdade social entre os cônjuges. Se, pelo contrário, entendermos a igualdade como repartição «justa» do trabalho, evitando que algum dos parceiros fique sobrecarregado com demasiadas tarefas, alargamos o conceito à complementaridade de papéis: por exemplo, a mulher encarregar-se das tarefas domésticas e o homem do trabalho profissional pode configurar-se como uma situação de igualdade, na medida em que pode ser entendida como justa. Ao indagarmos sobre a adesão feminina a normas ideais igualitárias, quer na esfera profissional, quer na doméstica, a análise recai, evidentemente, sobre a igualdade social entre homens e mulheres.

Analisamos a família a partir de dados de um inquérito, realizado em 1999, a 1776 mulheres portuguesas entre os 25 e os 49 anos, a viver actualmente em conjugalidade (que pode ser a primeira ou outra e que pode estar ou não formalizada pelo laço matrimonial) e com pelo menos um filho co-residente entre os 6 e os 16 anos. Trata-se assim de uma população, estatisticamente representativa ao nível do Continente, de «casais com filhos», que se encontram no momento actual a viver com pelo menos um filho em idade escolar.

Sofia Aboim Inglez

Fonte: https://condicaodamulher.wordpress.com/2007/09/29/mulheres-entre-o-publico-e-o-privado-i/ Acessado dia 31 de agosto de 2020

Atividade sobre mulheres entre o público e o privado

 

1 Ler o texto e fazer um resumo das principais ideias do autor em forma de resumo.